Era um dia de sol. Pela janela, vi que os pássaros cantavam mais alegremente que nos outros dias. As flores pareciam mais viçosas. As nuvens, mais lindas. Havia algo diferente no ar. A natureza estava revelando-se intensamente. Alguma coisa importante aconteceria.
Naquela manhã estávamos, eu e meu companheiro de cela, tensos. Dentro de instantes, iríamos fazer a última caminhada de nossas vidas. Éramos dois condenados à morte. Imersos em nossos pensamentos, nada comentávamos. Não tínhamos saída. Tudo já estava definido, só um milagre nos salvaria. Nossos carrascos estavam à espera da ordem para a execução.
Apesar de saber que estava prestes a morrer, algo me deixava com tranqüilidade. Olhava tudo como se fosse pela primeira vez. Será...que no final de minha vida, Deus está querendo revelar-se a mim, mostrando-me as belezas naturais e a alegria de viver? Ou é simplesmente um êxtase do prenúncio da morte? Deus!... Será que existe? Não, a morte é o fim de uma vida cheia de erros. Após a morte, o que acontecerá?
Oito horas. A porta abriu e vieram os carrascos. Calados, conduziram-nos sem violência. Lá fora, ouvíamos a multidão, exaltada.“Será que merecíamos tanta gritaria de ódio?” Fomos por um corredor meio escuro, iluminado por tochas e chegamos a uma plataforma defronte à multidão. Nela, vimos os instrumentos com os quais seríamos executados. Eram pesados. A execução teria início quando começássemos a carregá-los até um morro próximo, fora da cidade.
Costumeiramente, o povo observava as execuções com misto de compaixão e raro sentimento de prazer. Maus elementos seriam excluídos da convivência humana. Só então percebi que nós não éramos alvos de toda aquela gritaria.
Na plataforma, um terceiro homem também seria executado....
Limitava-se a olhar, sem responder aos insultos que Lhe eram dirigidos. Havia ouvido falar dEle, vagamente. Soube que estivera em dois ou três tribunais até que um governador romano O condenou, dizendo-se inocente naquela execução. (Mateus 27:24). Antes, haviam-nO surrado, esbofeteado, cuspido e violências verbais eram-Lhe dirigidas. Foi condenado pela vontade do povo.
Começamos então, a levar a carga de nossa execução. Fazia parte da pena a nós imposta. Era sinônimo de maldição, segundo a lei (Deut. 21:22,23) gerando humilhação e desprezo. Íamos vagarosamente. Naquele percurso, eu e meu companheiro éramos meros coadjuvantes. Todo o povo era contra aquele Homem. À frente, ia meu companheiro. Depois Ele. Eu em seguida. Interessante, a mim parecia estar seguindo-O. (Mateus 10:38)
Percebi que, naquele momento, minhas forças aumentaram. Apesar de estarmos compartilhando do mesmo infortúnio, senti uma sensação diferente seguí-Lo. Minha carga não estava tão pesada. A dEle, porém, terrível, sufocante, quase não conseguia levá-la. Até que puseram alguém para ajudá-Lo.
Meu colega, lá na frente, ora ia para a direita, ora para a esquerda. Vi que já não estava bem. Às vezes, emparelhava-se com Ele. (Marcos 6:48) A multidão continuava gritando e vociferando. Percebi algumas mulheres chorando e vi-O dizer-lhes para que chorassem por seus filhos e por elas mesmas. (Lucas 23:27,28) Como podia demonstrar piedade naquele momento?
Novamente, pensei. Por que estava ali? Por que minha vida não foi diferente? Desde criança, sempre inclinado para o mal. Era insuportável. Surrava meus colegas. Desobedecia meus pais. Comecei a roubar muito cedo. Coisas pequenas. Depois foi aumentando. Mais tarde, enveredei para a marginalidade total. (Mateus 15:19). Fiz por merecer a pena.
Eu e meu companheiro, juntos, praticamos muitos crimes. “E daí, vamos morrer mesmo. A vida não vale nada!” Era como raciocinávamos. Até que, presos, fomos condenados àquele tipo de morte. Estávamos cumprindo a pena, totalmente merecedores dela. Mas aquele Homem ...merecia?
Chegamos ao topo. Olhei para Ele. Seu aspecto era horrível. Seu corpo e rosto sangravam. Colocaram-Lhe algo na cabeça com espinhos. (Isaías 53:4-10). Um tormento. A impressão era que Ele tinha cometido todos os crimes do mundo, tamanha a crueldade que lhe faziam. Não entendia o porquê. Quando ouvi falarem dEle, disseram que só falou verdades. Só falou de amor e de justiça. Curou pessoas. Alimentou multidões e era de família pobre. Afinal, o que Ele tinha feito para ser condenado?
Nossos carrascos aproximaram-se e fizeram com que deitássemos em nossos instrumentos de execução. Começaram as marteladas. Gritamos de dor eu e meu amigo. Porém, o terceiro Homem submeteu-se incrivelmente, sem reclamar nem gemer. (Isaias 53:7) Notei que era jovem. Estava fragilizado pelas atrocidades cometidas, mas suportava.
Ergueram-nos e Ele ficou ao meio de nós. Levantados, no ar, do topo do monte vi o vale e a cidade mais além. Comecei a refletir. Logo viriam quebrar nossos ossos para que morrêssemos mais depressa. (João 19:32,33)
Lembrei-me de meus pais. Eles falavam de um Deus Poderoso que nos liberta. Coitados, onde estava esse Deus? Nossos antepassados contavam muitas histórias sobre Ele, mas eu não acreditava. Para mim, eram fantasiosas. Por que pensava nisso agora? Em instantes, tudo estaria acabado. Seria apenas uma sombra. Nem isso! O que seria de mim?
Se pudesse nascer de novo, (2 Cor.5:17) faria tudo certo. Será? Impossível. Lá embaixo, a multidão. Haveria alguém pior do que eu lá? Quem eram eles, afinal? Cada um tinha sua vida. O que me diferenciava deles? (Romanos 3:23)
Era por volta de meio dia. O tempo, de repente, começou a mudar. A escurecer. Homens gritavam para o terceiro homem: “Desça, você não é o que derruba o templo e o reconstrói em 3 dias?” Vi soldados sortearem Suas vestes. Lembrei-me de que meus pais comentavam das escrituras um trecho assim. Mas não entendiam o que significava. (Salmos 22:18).
Olhei para Ele. Seus olhos me fitaram por momento. Que olhar. Em meio a tudo que estava passando, um olhar diferente. De amor. Nunca vi antes. O que senti não sei explicar. Com certeza, Ele olhou para o meu companheiro. Súbito, este gritava contra Ele, dizendo: Desce!... salva-te a Ti e a nós (Lucas 23:39). Aí, falei: “Ora, pare! você não vê que Ele não tem culpa. Nós, sim, merecemos estar aqui.” (Lucas 23:40,41).
Não sei o que me aconteceu naquele instante. Apesar de estar em aflição, senti-me diferente, com uma sensação de segurança e alívio. (Mateus 16:17). Olhei para aquele homem. Não O conhecia. Com a voz embargada, lhe falei: “Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino”.(Lucas 23:42). Acreditei e pedi com amor. Onde achei este sentimento? Meu coração estava torcendo por dentro. Comecei a ver que era um nada. Pobre ser mortal, sem nada a oferecer. Olhando-me nos olhos, Ele falou: “Em verdade, hoje estarás comigo no Paraíso.” (Lucas 23:43 - João 11:25). Quando dirigiu-se a mim, senti-me outro ser. Não era mais eu, e sim, outra pessoa! Então, tudo que tinha feito na vida, me veio à mente. Comecei um choro incontido. Sabia que ia morrer. Parece que não tinha mais importância. Eu não merecia aquele amor. Minha vontade era descer dali. Correr para aquela multidão. Abraçar e beijar quantos pudesse e pedir-lhes perdão.
Lágrimas brotavam de meus olhos. Senti uma liberdade como nunca havia sentido em minha vida. Inexplicável! Estava preso, condenado, morrendo e... livre!
Não eram ainda 3 horas da tarde. O dia tinha virado noite, Naquele momento, Ele clamava o nome do Pai. Sentiu-se desamparado (Marcos 15:34) e com grande voz entregou o seu espírito. A impressão era é que Ele estava pagando por uma dívida que não era sua. (2 Cor. 5:21; Gal. 1:4). Comecei a perceber a verdade. Aquele terceiro homem não era um simples homem. Estava ali por mim e por todos nós. Por isso, sua cruz era tão pesada. Eu estava tendo o privilégio de estar ali com Ele.
De repente, a terra tremeu. Relâmpagos, trovões, rochas a quebrarem-se. Gritos. Senti a cruz vibrar. A multidão correndo. Eu, porém, estava em paz. Era outro homem. Que me importava a morte? Ele afirmou: “Estarás comigo”.
Recebi, sem merecer, no apagar das luzes da minha vida desregrada, um presente: a liberdade. Eu, ladrão, criminoso, pendurado, no ar. Senti-me tal como uma águia, naquele insólito lugar de dor e desespero. Minhas iniqüidades foram descarregadas (Tito 2:14) naquela cruz. Não na minha. Na dEle.
Mais tarde, antes do pôr-do-sol, quebraram os ossos de nossas pernas. Os dEle não. Já estava morto. (JO 19:33)
Agora, para mim, só restava o último suspiro... que se aproximava!
O fato narrado acima é real. Dois ladrões foram crucificados com Cristo. Um foi salvo. O outro, não. A história é contada sob o ponto de vista do ladrão que recebeu a graça. Obviamente, fictícia quanto a seus pensamentos e sua vida. Verídica, do ponto de vista bíblico.
Não importa quem somos. Nosso nível de vida. Nossa realidade, como vivemos... Somos pecadores e estamos condenados tal qual aqueles ladrões.(Romanos 8:1) Jesus atraiu todos os pecadores na cruz. Inclusive, o outro ladrão que escarneceu dEle. Este preferiu ignorá-Lo. Jesus fez a parte dEle. Aceitou-nos naquele sacrifício eterno, sem que merecêssemos. (Romanos 5:17,18) Isto é graça.
Cada um de nós fomos crucificados com Cristo. Ele levou sobre si todos os nossos males, na cruz. Assim, em Cristo, somos libertos de nossa vida passada. Recebemos nova vida nEle, pela fé. Os dois ladrões receberam revelação e fé para crer, porque Deus quer que todos sejamos salvos.
Fé é prova das coisas que se não vêem.(Hebreus 11:1) Um ladrão falou: “Quando entrares...” Creu no futuro. Uma fé viva. O outro: “Você não é o Cristo? Desça daí e salva-te a ti e a nós?” Queria ver, para ser salvo. Foi uma fé relativa, sem obras. Uma fé morta.
Roberto
(Nota: O autor é não católico. Membro do antigo Forum União - desde fevereiro 2005.)
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